A data de 08 de março, firmada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 como dia internacional da mulher, é marcada por atos e manifestações que objetivam conferir visibilidade ao combate das desigualdades e discriminação de gênero em todo mundo.
Diante da existência de tantas diferenciações entre os gêneros e sucessivas violações aos direitos das mulheres, a data é necessária para provocar a reflexão sobre os rumos que a sociedade em que estamos inseridos quer seguir e que medidas podem ser levadas a efeito por mulheres e homens para minimizar tais situações de abusos.
O certo é que, qualquer manifestação em alusão à referida data precisa ser realista e entender que a celebração não se dá por inteiro. Isso porque, muito embora diversas conquistas já tenham sido alcançadas, elas refletem o quanto ainda de caminho precisa ser percorrido para que, de fato, um plano de isonomia seja efetivado.
Homens e mulheres são diferentes entre si enquanto pessoas, aliás ninguém é igual ao outro. Ainda assim, deveriam ser iguais em respeito e direitos, todavia não é isso que concretamente é vivenciado. A mudança, que tem acontecido, embora de forma lenta, deve seguir como resultado de resistência e lutas por uma igualdade material que extingua situações de preconceito e sexismo que acabam secundarizando e preterindo mulheres pela simples condição de gênero.
O dia internacional da mulher nos lembra que o arcabouço jurídico existente, tanto no âmbito interno como no plano internacional [1] deveria ser mais do que suficiente para proteger os direitos das mulheres, impedindo tais violações. Contudo esses diuturnos ataques são fruto de um enraizamento cultural que precisa ser combatido, por diversas razões adiante elencadas e que denotam que o 8 de março deve ser visto para além de um marco histórico.
APESAR de serem maioria populacional, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) contínua realizada IBGE[2], as mulheres, que representavam quase 52% da população brasileira em 2019, ainda não possuem uma grande representatividade em posições estratégicas em nossa sociedade, sendo destacado a seguir diversos contextos que revelam essa triste disparidade e que nos força a lançar luzes para além do 08 de março.
APESAR de, na população com 25 anos em diante, ter sido identificado em 2019 que 19,4% das mulheres possuía nível superior completo, enquanto esse número seria de 15,1% entre homens [3], e que 72% da produção de artigos científicos do pais é feita por mulheres,[4], quando o foco é a gestão de universitária, das 63 das universidades federais brasileira, somente 30,2% são reitoras e 34,4% são vice-reitoras [5]. Ou seja, a mulher capacita-se e produz cientificamente, mas não seria “tão hábil” para gerir a instituições de ensino, quanto o homem.
APESAR de representarem, de acordo com o TSE, 53% do eleitorado nacional[5], essa superioridade numérica é bastante esvaziada quando analisados os resultados das urnas eletrônicas. Dos 5568 municípios, somente 12% das prefeituras é ocupado por mulheres, num total de 666 cidades. Em relação às câmaras de vereadores, esse número sobe um pouco, mais ainda é inexpressivo: 16% dos cargos são de vereadoras. Já no Congresso Nacional essa representatividade cai para 15%, sendo que a presidência da casa jamais foi conduzida por uma parlamentar.
Essa diminuta ocupação feminina, repercute diretamente na percepção de representatividade e acaba tendo um efeito desestimulante em todo o processo. Isso é ainda mais lembrado no dia internacional da mulher. Não é à toa que o Brasil ocupa a posição de número 142 no ranking de participação política feminina de um total de 192 países, de acordo com a União interparlamentar, ONG que avalia os poderes legislativos dos países associados.[7]
APESAR de serem detalhistas e possuírem a capacidade de articulação e raciocínio lógico aguçados, no campo do trabalho, a disparidade salarial também chama a atenção para uma realidade injustificável. De acordo com o IBGE[8], as mulheres ganham cerca de 77,7% dos salários percebidos pelos homens ocupantes das mesmas funções. Isso considerando-se a existência de dispositivos legais expressos sobre a vedação desse diferenciação na CLT: arts. 5º., 46, 373-A e 461.
Importantíssimo ressaltar que, mesmo com essa diferenciação remuneratória, quase metade dos lares brasileiros é mantido por mulheres de acordo com pesquisa realizada pelo IPEA[9]. Dado que vai ao encontro do perfil resiliente, típico do feminino.
APESAR de vermos índices elevados de aprovações em concursos públicos da seara federal, com percentuais que chegam a 70% em diversas áreas do conhecimento[10]. Quadro que não é tão diferente nos certames da área jurídica com expressivas aprovações de juízas, promotoras, delegadas e defensoras, advogadas, nas cúpulas dessas carreiras há uma baixíssimo percentil ou nenhuma ocupação por mulheres.
Em estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [11] revela-se um crescimento nas aprovações de mulheres nas carreiras da magistratura, entres os anos 2009 a 2017, no total de 77 certames. Em contrapartida, a participação de mulheres como presidentes de Tribunais de Justiça ainda é uma realidade pouco frequente, tanto que a posse a primeira mulher no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2022, após 150 anos de sua fundação, conquista ainda importante, também por ser a primeira negra a presidir a corte.[12].
Não é falta de capacidade ou de competência, então o que refletem esses números? Tantos dados que demonstram diuturnamente uma superioridade feminina, mas que esbarram em um machismo estrutural e institucional, com o qual convivemos e que literalmente bloqueia a ascensão do gênero feminino às referidas posições de destaque e estratégicas de nossa sociedade.
Mas como continuar resistindo e combatendo essa situação?
Entendo que somente por meio de um trabalho formativo e educativo consegue-se dar passos no processo de mudança. A implementação de políticas públicas afirmativas que oportunizem acessos às mulheres e que desconstruam essa visão enviesada são prementes.
Frise-se que essa postura estatal deve ser conduzida jamais como prêmio de consolação, mas por serem as mulheres merecedoras desse espaço, conquistado com muita luta e empenho.
Nas grades curriculares escolares, desde a base, deve-se pensar a necessidade de esclarecimento das crianças e adolescentes sobre temas relacionados à realidade brasileira de violência doméstica e todas as formas de discriminação e atentatórias aos direitos das mulheres.
Registre-se que a legislação penal vem mudando e endurecendo frente aos autores de violência doméstica que vitimizam mulheres por essa condição, em que pese os índices de violações continuem ainda serem elevadíssimos, mas já se veem muitos avanços nesse campo.[13]
Somente mudando-se a visão dominante de opressão e a subjugação da mulher por sua condição de gênero é que há chance de se alcançar um isonomia efetiva. Até lá, a resistência e presença feminina serão sempre fundamentais para a todos lembrar que o 8 de março deve reforçar a necessidade de transformação da realidade que, oras velada, oras ostensivamente, limita as mulheres em tantos espaços que são merecidamente seus.
Celebremos o 08 de março, mas reflitamos o que mais precisamos fazer para que essa data espelhe verdadeiramente a mudança almejada de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, vetores de nossa ordem constitucional que precisam ser reverberados para além do texto de nossa Carta Constitucional.
Por Dr. Gabriel Nogueira (@delegadogabrielnogueira) – Diretor Acadêmico da Bonsae | Prof. Acadepol | 20 anos Delegado PCSE e Prof. p/ Concursos
Notas
[1] Há no âmbito interno leis que protegem direitos das mulheres, em especial a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que prevê punição criminal aos autores de violência contra a mulher e uma série de medidas para preservar as vítimas. Já no âmbito internaconal, há a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Que conta com 195 estados partes e dissemina essa cultura de preservalão dos direitos da mulher.
[2] Dados do IBGE disponíveis em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.html#:~:text=Segundo%20dados%20da%20PNAD%20Cont%C3%ADnu,51%2C8%25%20de%20mulheres. Acesso em 22 fev. 2022
[3] Dados publicados em estudo da BBC, disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-49639664#:~:text=%22A%20taxa%20de%20conclus%C3%A3o%20do,abandonar%20a%20escola%20que%20meninas.%22. Acesso em 22 fev. 2022.
[4] A diferença é absurda como mostram os dados do MEC, disponíveis em seu endereço eletrônico: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=86161:mulheres-sao-maioria-entre-bolsistas-de-mestrado-e-doutorado-no-brasil&catid=225. Acesso em 22 fev. 2022
[5] Esses dados denotam uma subrepresentatividade feminina nos órgaos de gestão universitária de maior destaque. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/181013/101_00162.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 22 fev. 2022.
[6] Dados relacionados às eleições de 2016, disposníveis em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-10/apenas-12-das-mulheres-candidatas-foram-eleitas-para-prefeituras. Acesso em: 25 fev. 2022.
[7] Fato noticiado pela CNN, disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-e-142-na-lista-internacional-que-aponta-participacao-de-mulheres-na-politica/. Acesso em 25 fev. 2022.
[8] O estudo do IBGE trata sobre dados estatísticos baseados no gênero e revelam a condição salarial das mulheres no Brasil, com média comparativa com os homens ocupantes de mesmos cargos. O estudo está disponivel em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 25 fev. 2022.
[9] Os dados do IPEA confirmam essa disparidade. Eles estão disponíveis em: https://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_chefia_familia.html. Acesso em: 25 fev. 2022.
[10] Esses dados dizem repeito a concursos federais e são bastante contundentes. Disponível em: acesso em 01 mar. 2022.
[11] O estudo analisa a participação feminina nos concursos para a magistratura. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB_RELATORIO_Participacao_Feminina-FIM.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
[12] Notícia veiculada em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2022/02/01/primeira-mulher-eleita-presidente-do-tribunal-de-justica-do-rs-toma-posse.ghtml. Acesso em 01 mar. 2022.
[13] Há uma série de mudanças na legislação penal que buscam proteger a mulher vítima de violência doméstica a começar pela proprioa Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) , criação do tipo penal de feminicídio – art. 121, §2º. VI) e alterações no crime de lesão corporal (Art. 129, §13.) e outras figuras como o crime de Stalkin (art. 147-A) e violência psicológica contra a mulher, todos crimes do Código Penal. Importe frisar que só a legislação penal, por sí, não promove essa mudança, mas precipita tendências nesse sentido.
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