Lei Maria da Penha, entenda as recentes alterações – Parte III

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Você tem acompanhado aqui no blog textos importantes sobre as alterações promovidas pela Lei nº. 14.188/21, que favorecem o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, promovidas, tanto no Código Penal Brasileiro, quanto na Lei Maria da Penha.  Encerrando a trilogia dos artigos,  apresentamos agora os detalhes referentes ao novo crime de violência psicológica, inserido no art. 147-B do CPB. Confira todos os detalhes!

O que você vai ler neste artigo:

 

05 tipos de violência contra a mulher

A tipificação da violência psicológica

A violência psicológica em ambientes sociais extra familiares

Como provar a violência psicológica?

05 tipos de violência contra a mulher

Primeiramente é importante destacar que na Lei Maria da Penha, em seu art. 7º., estão previstas cinco formas de violência contra a mulher: 

  • física;
  • sexual;
  • patrimonial;
  • moral;
  • psicológica.

A primeira refere-se a qualquer forma de ofensa à integridade física e à vida da vítima. Já a violência sexual representa atos que violem a dignidade sexual, direitos de reprodução, orientação sexual e matrimônio forçado. 

No que toca à violência patrimonial restará configurada toda vez que os bens da vítima estiverem em risco, enquanto que a violência moral é toda forma de ofensa à honra da vítima por meio das três figuras típicas do CPB: calúnia, difamação e injúria. 

Cabe ainda destacar que essas quatro formas de violência citadas já possuíam delitos previamente estabelecidos no Código Penal, como homicídio e lesão corporal, estupro e favorecimento à prostituição, furto, roubo, apropriação indébita e estelionato, além dos citados crimes contra a honra.

A tipificação da violência psicológica

Das cinco formas de violência acima elencadas, somente a violência psicológica não possuía figura típica especificamente correlata, por vezes, podendo-se realizar um enquadramento em contravenção penal de perturbação da tranquilidade ou o crime de ameaça, mas que pela ausência de motivação específica, poderia causar certa confusão, sendo certo que a via do ilícito cível era na prática a mais recorrente. Esse cenário tinha uma repercussão prática importante, pois não configurando crime, não era possível o deferimento de medida protetiva de urgência e a vítima ficava desguarnecida. Essa é uma crítica ferrenha que a doutrina faz.    

A violência psicológica, prevista no art. 7º. II da LMP é assim descrita: “(…) entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.”

Nessa mesma esteira, foi previsto o tipo penal autônomo da violência psicológica, inserto no novel art. 147-B do CPB, cuja pena de reclusão, oscila entre os seguintes patamares: 06 meses a 02 anos, além da multa, já com a advertência da subsidiariedade expressa de que se o fato configurar crime mais grave em verdade será este e não a violência psicológica a ser apurada. 

A estrutura do crime novo é a seguinte: 

“Violência psicológica contra a mulher

Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”

A Lei nº. 11.340 (Lei Maria da Penha) de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal

Considerações sobre a violência psicológica

Algumas considerações podem ser trazidas à baila em relação a essa nova modalidade de crime. O principal bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a liberdade da vítima, no que pertinente o viver sem receio de ser importunada, manipulada ou humilhada pelo autor, pessoa que é de seu vínculo próximo e por vezes com quem mantém um vínculo indissolúvel por conta da existência de filhos em comum.

Quanto aos sujeitos do delito, a figura penal é crime comum, no que pertine ao autor, podendo ser praticado tanto por homem quanto por mulheres, mas em relação à vítima, é crime próprio, exigindo-se do sujeito passivo a qualidade de mulher. 

O delito visa a evitar que a vítima mulher sofra dano emocional e, valendo-se da interpretação analógica, o legislador elenca uma série de possibilidades de condutas/formas pelas quais o crime pode ser levado a efeito, e ao final o tipo penal apresenta uma norma de encerramento, abrindo espaço para outras maneiras dele vir a ser executado.

Dentre essas diversas formas de conduta, algumas delas podem configurar crime autônomo já existente, tais como: a ameaça, o constrangimento ilegal e o cárcere privado, motivo pelo qual a subsidiariedade expressa ressalva a inaplicabilidade do delito diante desse contexto.  

Fernandes, Ávila e Cunha destacam no artigo intitulado “Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021”, que nem todas as formas de violência psicológica previstas no art. 7º. da LMP foram reproduzidas no novo crime, inclusive, para evitar conflito real de normas penais, a exemplo da perseguição, atualmente disciplinada no delito de stalking (art. 147-A do CPB).Os mesmos autores ainda destacam que o crime de violência psicológica é uma modalidade de slow violence (forma cumulativa de violência), e que se manifesta pela repetição sucessiva de atos que acabam lentamente fulminando a vítima em suas forças físicas e mentais, atém possibilitar um controle invisível sobre sua vítima. Tais comportamentos vêm acompanhados do comprometimento da saúde mental da mulher, com surgimento de quadros de depressão, síndrome do pânico e estresses pós-traumáticos.

Importante destacar que, a depender do grau dessa violação à saúde mental da vítima, a conduta, diante da previsão expressa de subsidiariedade, é possível a configuração do crime de lesão corporal (art. 129 CPB), eis que em seu núcleo reside a ofensa à integridade física, mas também à saúde da vítima, nela contemplada a saúde mental.

A violência psicológica em ambientes sociais extra familiares

Ressalte-se que, embora seja inegavelmente mais comum a prática desse crime dentro do contexto de uma relação doméstica e familiar, não está descartada a hipótese dele ser praticado em outros âmbitos como o profissional, estabelecimentos de ensino, templos religiosos, até mesmo em locais públicos. 

O crime em foco, não se trata de delito habitual, podendo já estar consumado com a prática de um único ato, desde que essa conduta cause dano emocional descrito no tipo penal. Contudo, é comum ele ser praticado de forma gradativa e reiterada, no âmbito da relação afetiva, o que se inicia como um “cuidado”, depois evolui para situações de “ciúmes” e ao final descamba para um completo “controle”.  

Já em relação à tentativa, embora admissível, é de muito difícil verificação na prática, diante da estrutura do delito, eis que o início da execução já configura a consumação, é o que acontece com atos de humilhação e manipulação. 

Como provar a violência psicológica?

Assevera-se, por último, que, assim como acontece com outros crimes que envolvem a vida privada das relações domésticas sendo uma das partes vulnerável, em relação à validade da prova produzida pela vítima, tem um peso diferenciado. Deve ser valorada de forma contextualizada, mas ainda assim, é recebida com uma força considerável. É o que acontece nos crimes contra a dignidade sexual, quando não há testemunhas. Nesses casos, a palavra da vítima tem uma força destacada que deve ser somada a outros elementos de provas trazidos à persecução penal. 

No mais, cumpre render homenagens às recentes alterações legislativas na Lei Maria da Penha promovidas pela Lei 14.188/21, uma vez que, mesmo não sendo um diploma legal perfeito, conferiu um pouco mais de proteção à mulher vítima de violência e incrementou medidas assertivas. Nesse sentido andou bem o legislador merecendo aplausos. Por outro lado, a abertura do tipo penal para gerar questionamentos em especial no que toca ao princípio da legalidade e superposição de normas penais. 

Mas reforça-se que a iniciativa é importante e deve ser bem recebida. Que isso nos sinaliza na direção da busca de uma sociedade menos desigual e mais atenta às questões de violência envolvendo as mulheres, pauta imprescindível para a nossa realidade social.

Leia a parte 2 desse artigo aqui – Bonsae® Recentes alterações promovidas pela Lei nº. 14.188/21 na Lei Maria da Penha e no Código Penal – Parte II – Bonsae®

Por Dr. Gabriel Nogueira (@delegadogabrielnogueira) – Prof. Acadepol | 20 anos Delegado PCSE e Prof. p/ Concursos      

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